
"Pessoalmente, defendo a tese de que o PER (processo especial de revitalização) deve aplicar-se também às famílias, por se tratar de um processo mais célere e menos estigmatizante do que o processo de insolvência com plano de pagamentos", refere Iolanda Mouta Mendes, Sócia Fundadora da Pereira Mouta Mendes e Associados em entrevista à Revista Pontos de Vista.
O Governo vai tornar mais difícil o acesso ao processo especial de revitalização (PER), uma alternativa à insolvência que nos últimos quatro anos foi usada por quase 8 mil famílias e empresas. A intenção é apertar ainda mais os critérios de adesão a este mecanismo, aumentar o quórum de credores necessário para avançar com a recuperação financeira e exigir certificados que comprovem que o devedor ainda não está falido. O que significa esta alteração para os portugueses e o país?
Na minha opinião, esta alteração legislativa, a concretizar-se, irá traduzir-se numa redução da importância prática do recurso ao processo especial de revitalização, com consequências muito nefastas para as famílias e para as empresas. Na verdade, é muito difícil que 10% dos credores não subordinados (pessoas não relacionadas com o devedor) avalizem o recurso do devedor ao PER, pois, os credores receiam que tal implique desde logo assentir num plano de recuperação, que preveja condições de pagamento menos favoráveis para si. Por outro lado, exigir que um TOC emita uma declaração atestando que o devedor não se encontra em situação de insolvência, também me parece uma exigência desprovida de sentido, já que o conceito de insolvência é eminentemente jurídico, encontrando-se definido no artigo 3.º do CIRE.
A medida aprovada em Conselho de Ministros restringe a adesão às empresas, mas o Ministério da Justiça garante que famílias vão poder continuar a recorrer a esta alternativa à insolvência. Nesta situação, estarão mesmo os particulares protegidos?
Penso que os particulares não estão protegidos. Atualmente, os artigos 17.º-A a 17.º- I do CIRE, que regulam o processo especial de revitalização, em momento algum referem que a sua aplicação está limitada às pessoas coletivas ou entidades equiparáveis, antes anunciando, expressamente, que o processo especial de revitalização pode ser utilizado “por todo o devedor”. Não obstante, existem diversos Acórdãos das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça que têm defendido a tese de que só as empresas podem aceder ao PER, socorrendo-se da análise dos trabalhos preparatórios e do preâmbulo do Diploma Legal que aprovou o mecanismo. No atual contexto de incerteza jurídica, é premente que o legislador esclareça a questão em definitivo, alterando a redação da lei, no sentido de consagrar expressamente a doutrina de que as pessoas singulares podem aceder ao PER, sob pena de os particulares continuarem desprotegidos.
O Governo diz que as famílias têm tanto direito a planos de recuperação financeira quanto as empresas, mas há tribunais a recusar o acesso de particulares ao PER, pois a lei não distingue que devedores podem recorrer ao mecanismo. Qual é a alternativa ao PER?
Com efeito, alguns Tribunais têm indeferido liminarmente os processos especiais de revitalização, quando os requerentes são pessoas singulares. São situações preocupantes, porque a alternativa ao PER é o Incidente de aprovação de plano de pagamentos (previsto nos artigos 251.º e seguintes do CIRE), no âmbito do qual o legislador estabelece um quórum de aprovação muito mais exigente. Além de que, o plano de pagamentos não suspende as ações executivas em curso e implica sempre a declaração de insolvência do devedor, ainda que com carácter limitado, se o plano de pagamentos for aprovado pelos credores.
Num mesmo tribunal, começa agora a haver juízes com interpretações distintas sobre se os pedidos das famílias em dificuldades devem ou não ser deferidos. O que parece ser consensual é que é urgente uma clarificação. Esta questão só se resolverá com jurisprudência ou com uma alteração legislativa?
Concordo que é urgente uma clarificação, por uma questão de segurança jurídica e penso que a questão só se resolve com um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência ou com uma alteração legislativa. Pessoalmente, defendo a tese de que o PER deve aplicar-se também às famílias, por se tratar de um processo mais célere e menos estigmatizante que o processo de insolvência com plano de pagamentos. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, já muitas pessoas singulares acederam ao PER, na medida em que o legislador não restringiu este acesso, criando-se agora situações de desigualdade sob a égide do mesmo diploma legal. Além de que, o PER permite a inúmeras famílias evitar a sua declaração de insolvência, a qual tem consequências muito nefastas na sua esfera jurídica, designadamente a perda para a massa insolvente da casa de morada de família.
Os PER são uma alternativa aos processos de insolvência, para ser aplicada quando a situação financeira não é ainda tão grave, e que permitem traçar um plano de recuperação de forma mais célere, com mais incentivos para acordos com os credores, e com a vantagem de suspenderem ações de execução. A Pereira Mouta Mendes & Associados tem lidado com muitos processos destes?
Sim, temos lidado com alguns processos especiais de revitalização. Os devedores podem socorrer-se do PER quando se encontram em situação económica difícil, situação esta que é bem diferente da situação de insolvência. O PER é um processo que tem inúmeras vantagens para o devedor: é mais célere, menos estigmatizante, incentiva os credores a participar nas negociações, suspende ações executivas, permite ao devedor manter a sua atividade e o seu património e vincula todos os credores ao seu cumprimento.