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"É urgente uma clarificação"

15 Outubro 2016 in Planos de Recuperação Financeira

"Pessoalmente, defendo a tese de que o PER (processo especial de revitalização) deve aplicar-se também às famílias, por se tratar de um processo mais célere e menos estigmatizante do que o processo de insolvência com plano de pagamentos", refere Iolanda Mouta Mendes, Sócia Fundadora da Pereira Mouta Mendes e Associados em entrevista à Revista Pontos de Vista.

O Governo vai tornar mais difícil o acesso ao processo especial de revitalização (PER), uma alternativa à insolvência que nos últimos qua­tro anos foi usada por quase 8 mil famílias e empresas. A intenção é apertar ainda mais os critérios de adesão a este mecanismo, aumen­tar o quórum de credores necessário para avançar com a recuperação financeira e exigir certificados que comprovem que o devedor ainda não está falido. O que significa esta alte­ração para os portugueses e o país?

Na minha opinião, esta alteração legislativa, a concretizar-se, irá traduzir-se numa redução da importância prática do recurso ao processo especial de revitalização, com consequências muito nefastas para as famílias e para as empre­sas. Na verdade, é muito difícil que 10% dos credores não subordinados (pessoas não rela­cionadas com o devedor) avalizem o recurso do devedor ao PER, pois, os credores receiam que tal implique desde logo assentir num plano de recuperação, que preveja condições de paga­mento menos favoráveis para si. Por outro lado, exigir que um TOC emita uma declaração ates­tando que o devedor não se encontra em situ­ação de insolvência, também me parece uma exigência desprovida de sentido, já que o con­ceito de insolvência é eminentemente jurídico, encontrando-se definido no artigo 3.º do CIRE.

A medida aprovada em Conselho de Minis­tros restringe a adesão às empresas, mas o Ministério da Justiça garante que famílias vão poder continuar a recorrer a esta alternativa à insolvência. Nesta situação, estarão mesmo os particulares protegidos?

Penso que os particulares não estão protegi­dos. Atualmente, os artigos 17.º-A a 17.º- I do CIRE, que regulam o processo especial de revi­talização, em momento algum referem que a sua aplicação está limitada às pessoas coleti­vas ou entidades equiparáveis, antes anuncian­do, expressamente, que o processo especial de revitali­zação pode ser utilizado “por todo o devedor”. Não obstante, existem diversos Acórdãos das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça que têm defendido a tese de que só as empresas podem aceder ao PER, socorrendo-se da análi­se dos trabalhos preparatórios e do preâmbulo do Diploma Legal que aprovou o mecanismo. No atual contexto de incerteza jurídica, é pre­mente que o legislador esclareça a questão em definitivo, alterando a redação da lei, no senti­do de consagrar expressamente a doutrina de que as pessoas singulares podem aceder ao PER, sob pena de os particulares continuarem desprotegidos.

O Governo diz que as famílias têm tanto direito a planos de recuperação financeira quanto as empresas, mas há tribunais a recu­sar o acesso de particulares ao PER, pois a lei não distingue que devedores podem recorrer ao mecanismo. Qual é a alternativa ao PER?

Com efeito, alguns Tribunais têm indeferido liminarmente os processos especiais de revi­talização, quando os requerentes são pessoas singulares. São situações preocupantes, porque a alternativa ao PER é o Incidente de aprovação de plano de pagamentos (previsto nos artigos 251.º e seguintes do CIRE), no âmbito do qual o legislador estabelece um quórum de aprovação muito mais exigente. Além de que, o plano de pagamentos não suspende as ações executi­vas em curso e implica sempre a declaração de insolvência do devedor, ainda que com carác­ter limitado, se o plano de pagamentos for apro­vado pelos credores.

Num mesmo tribunal, começa agora a haver juízes com interpretações distintas sobre se os pedidos das famílias em dificuldades devem ou não ser deferidos. O que parece ser consensual é que é urgente uma cla­rificação. Esta questão só se resolverá com jurisprudência ou com uma alteração legislativa?

Concordo que é urgente uma clarificação, por uma questão de segurança jurídica e penso que a questão só se resolve com um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência ou com uma alteração legislativa. Pessoalmente, defendo a tese de que o PER deve aplicar-se também às famí­lias, por se tratar de um processo mais célere e menos estigmatizante que o processo de insolvência com plano de pagamentos. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, já muitas pessoas singulares acederam ao PER, na medida em que o legislador não restrin­giu este acesso, criando-se agora situações de desigualdade sob a égide do mesmo diploma legal. Além de que, o PER permite a inúmeras famílias evitar a sua declaração de insolvência, a qual tem consequências muito nefastas na sua esfera jurídica, designadamente a perda para a massa insolvente da casa de morada de família.

Os PER são uma alternativa aos processos de insolvência, para ser aplicada quando a situ­ação financeira não é ainda tão grave, e que permitem traçar um plano de recuperação de forma mais célere, com mais incentivos para acordos com os credores, e com a vantagem de suspenderem ações de execução. A Pereira Mouta Mendes & Associados tem lidado com muitos processos destes?

Sim, temos lidado com alguns processos espe­ciais de revitalização. Os devedores podem socorrer-se do PER quando se encontram em situação económica difícil, situação esta que é bem diferente da situação de insolvência. O PER é um processo que tem inúmeras vantagens para o devedor: é mais célere, menos estig­matizante, incentiva os credores a participar nas negociações, suspende ações executivas, permite ao devedor manter a sua atividade e o seu património e vincula todos os credores ao seu cumprimento.