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Entrevista da Dra. Iolanda Pereira Mouta Mendes sobre as alterações legislativas ao CIRE

1 Junho 2017 in Perspetivas - Revista Suplemento do Público

Qual é a área preferencial de atuação da Pereira Mouta Mendes & Associados? Qual é o papel do Advogado neste tipo de processos que envolve, por um lado, credores lesados e, por outro, devedores fragilizados pela conjuntura económica?

A Pereira Mouta Mendes & Associados é uma Sociedade de Advogados, que tem como área preferencial de atuação a recuperação e insolvência de pessoas singulares e empresas. O Advogado assume um papel fundamental na condução dos processos de revitalização e de insolvência, na medida em que tais processos têm natureza judicial.

Atualmente, antes da entrada em vigor das alterações ao CIRE, em que circunstâncias pode ser aplicado o processo especial de revitalização (PER) e de que forma pode constituir uma solução viável para particulares e empresas?

Atualmente, pode iniciar um processo especial de revitalização (PER), qualquer devedor (pessoa singular ou empresa) que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, e que seja suscetível de recuperação. O PER é um instrumento de recuperação muito vantajoso para o devedor e para os credores, pela sua celeridade e pelo ambiente extrajudicial em que decorre a fase de negociações. Incentiva os credores a participar nas negociações, suspende as ações de cobrança de dívidas, permite ao devedor manter a sua atividade e o seu património e vincula todos os credores ao seu cumprimento, ainda que não tenham participado nas negociações.

Recentemente o Governo procedeu a alterações ao regime do processo especial de revitalização (PER). Quais vão ser exatamente as alterações e que impacto é que prevê que venham a ter?

O Governo aprovou o Programa Capitalizar, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2016, de 18 de agosto, tendo, nesse âmbito, definido como prioridade proceder a alterações nos regimes dos processos de revitalização e insolvência. O projeto de Decreto-Lei visa alterar o Código das Sociedades Comerciais (CSC) e o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), e tem, entre outros objetivos, o de “credibilizar” o processo especial de revitalização. Com a entrada em vigor destas alterações, apenas poderão submeter-se a um processo especial de revitalização as empresas, ficando excluído o acesso das pessoas singulares (as quais poderão aceder a um processo especial para acordo de pagamento). Acontece que, para as empresas, o acesso ao PER vai tornar-se penoso, pois é necessário, cumulativamente:

- Que um contabilista certificado ou um ROC ateste que a empresa não se encontra em situação de insolvência atual;

- Que credores titulares de 10% de créditos não subordinados avalizem, através de declaração escrita, o recurso do devedor ao PER; e

- Que a empresa remeta ao Tribunal ab initio uma proposta de plano de recuperação.

Ora, é inverosímil que os contabilistas, vinculados a um principio de prudência no que toca à mensuração dos componentes patrimoniais, atestem, para as empresas que se encontram em situação económica difícil ou de insolvência iminente, que não se verifica uma situação de insolvência atual, assumindo responsabilidade pessoal por essa declaração. Por outro lado, é improvável que os credores não subordinados avalizem o recurso do devedor ao PER, pois, têm receio que essa declaração os comprometa desde logo a anuir com eventuais condições de pagamento menos favoráveis para si. Por último, em termos processuais, é conveniente que a proposta de plano de recuperação seja apresentada pelo devedor depois de todos os credores terem reclamado os seus créditos no processo e ter de ser sido elaborada uma lista provisória de créditos e não ab initio.

Estas imposições legais, são, na prática, inexequíveis e não estão adequadas à realidade das empresas portuguesas. A tentativa do Governo de “credibilizar” o processo especial de revitalização, vai na realidade torná-lo inoperante para as empresas, com consequências obviamente muito perniciosas para todos os stakeholders.

Quanto às pessoas singulares, estas poderão aceder ao processo especial para acordo de pagamento, cujo regime é muito semelhante ao anterior processo especial de revitalização. São introduzidas, contudo, algumas novidades que vão no sentido da proteção dos particulares, designadamente, a impossibilidade de as empresas que fornecem serviços públicos essenciais (água, luz, gás, entre outros) suspenderem a prestação desses serviços durante o tempo em que perdurarem as negociações, ainda que esses serviços não se encontrem a ser pagos. Prevê-se ainda a possibilidade de o devedor apresentar um plano de pagamentos ou vir requerer a exoneração do passivo restante, no caso de o processo negocial ser concluído sem aprovação do acordo de pagamentos e o administrador judicial provisório emitir parecer, no sentido de que o devedor se encontra em situação de insolvência. Consagra-se também expressamente que, na hipótese de o Tribunal não homologar o acordo, o recurso que venha a ser interposto dessa decisão suspende a liquidação do ativo do devedor, caso o parecer do administrador seja de que este se encontra em situação de insolvência.

Qual é a sua opinião sobre a resposta do sistema jurídico neste setor da Justiça? O que é que podia ser feito para otimizar a resolução dos processos?

O Projeto de Decreto-Lei que visa alterar o CSC e o CIRE introduz medidas destinadas a otimizar a resolução dos processos de insolvência, designadamente a possibilidade de dispensa da assembleia de credores nos processos de insolvência de pessoas singulares, que a venda dos bens seja feita preferencialmente através de leilão eletrónico, a prática de atos mediante transmissão eletrónica de dados, a eliminação dos constrangimentos à prolação da sentença de verificação e graduação dos créditos e a introdução de novos prazos para requerer o incidente de qualificação da insolvência. O grande obstáculo à eficiência dos processos de insolvência é a excessiva duração da fase da liquidação do ativo do devedor, sendo que, o Governo já tomou algumas medidas neste novo pacote legislativo que permitirão agilizar esta fase.

Considerado por muitos já estarmos num momento pós-crise, o número de casos que chegam ao escritório tem realmente diminuído em comparação com o contexto vivido em plena crise económica?

O número de casos que chegam ao nosso escritório diminuiu ligeiramente, em comparação com o contexto vivido em plena crise económica.

Com base na vasta experiência em casos de insolvência, qual a sua opinião sobre o que faltou às famílias e empresas que pudesse ter evitado a situação de insolvência?

A maior parte das situações de insolvência de pessoas singulares deveu-se a fatores como o desemprego, a doença e o divórcio, alheios à vontade dos próprios, embora os insolventes ainda enfrentem um enorme estigma social, associado à ideia de culpa da situação em que se encontram. A insolvência das empresas também se deveu sobretudo a razões de mercado, sendo que, as empresas portuguesas se encontram descapitalizadas, e portanto, vulneráveis às situações de crise económica.