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Entrevista ao Semanário Sol da Dra Fátima Pereira Mouta

4 Outubro 2014 in Sol

Hoje, muito por culpa do período conturbado que temos vindo a atravessar é cada vez mais comum falar em processo de insolvência. Por esse motivo estivemos à conversa com a Advogada Fátima Pereira Mouta.

O processo de insolvência é maioritariamente usado em último recurso. Não está na altura de vê-lo também como um processo de recuperação?

Penso que as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril vieram, em grande medida, introduzir uma solução para a recuperação de empresas e particulares, que até então, manifestamente não existia. De facto, a introdução do processo especial de revitalização (PER) veio finalmente munir o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) de um mecanismo válido para a revitalização dos devedores. Na verdade, antes da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, menos de 1% dos processos de insolvência culminavam na recuperação do devedor. A meu ver, o processo de insolvência de per si irá continuar a ser predominantemente utilizado como solução de último recurso. Porém, com o processo especial de revitalização a Lei passa agora a ter uma ferramenta útil para a recuperação das empresas e pessoas singulares.

Em que é que consiste a exoneração do passivo restante? Como podem os particulares beneficiar desse regime? Findo o período de 5 anos o que é que acontece?

A exoneração do passivo restante é um regime jurídico que permite aos devedores pessoas singulares (as empresas não podem beneficiar deste regime) obter o perdão das dívidas abrangidas pelo processo de insolvência, que não hajam sido integralmente pagas no decurso do mesmo. Para tal, os devedores deverão, durante um período de 5 anos, cumprir determinadas condições exigidas pela Lei. De entre estas condições, destaca-se a obrigação de os devedores cederem uma parte do seu rendimento ao fiduciário nomeado pelo Tribunal. Será apurado pelo Tribunal, em face das circunstâncias concretas de cada caso, o montante mensal indispensável ao sustento condigno do Insolvente e do seu agregado familiar, sendo que, todos os rendimentos que o Insolvente venha a auferir e que ultrapassem esse valor considerar-se-ão como sendo rendimento disponível.

A exoneração do passivo restante deve ser requerida na petição inicial de apresentação à insolvência e será, em princípio, concedida a todas as pessoas singulares de boa fé que formulem expressamente o respetivo pedido.

No final do período de cinco anos, haverá lugar a uma decisão final da exoneração, a qual importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência, à exceção das obrigações tributárias e outras expressamente previstas na Lei.

No exercer da sua profissão lida de perto com a realidade que se vive no País. A que se deve o estado caótico de famílias e empresas? A crise é a única culpada?

Sim, de facto, estando o nosso escritório especialmente vocacionado para a área da insolvência e recuperação de pessoas singulares e empresas, lidamos de muito perto com as dificuldades com que as famílias e as empresas portuguesas se deparam. Na verdade, observamos de perto diariamente famílias que chegam a uma situação de desespero total, nomeadamente situações de depressão grave que conduzem por vezes a tentativas de suicídio.

Por outro lado, temos tido também oportunidade de constatar que muitas pessoas lidam com a sua situação económica difícil de forma positiva, com vontade, força e determinação para ultrapassar os problemas.

Quanto à segunda questão, parece-me inequívoco que a crise económica teve um papel determinante na situação em que o País se encontra. Porém, a meu ver, não é a única culpada. De facto, após ter lidado de muito perto com vários processos, verifico que muitas instituições financeiras concederam crédito de forma irresponsável, sem atender à situação económica dos devedores.

Por outro lado, verificamos também que muitos bancos não informaram devidamente os clientes sobre as consequências dos compromissos assumidos, como por exemplo, o caso dos fiadores/avalistas que ficam surpreendidos quando são interpelados para pagar uma dívida que não é sua, e que contratualizaram, sem prévio aconselhamento jurídico.

Portugal é um País muito burocrático, com uma carga legislativa muito pesada. A redução do número de leis não iria trazer benefícios?

Efetivamente, em Portugal verifica-se um fenómeno de verdadeiro frenesim legislativo. Há uma grande quantidade de diplomas legais em vigor e constantes alterações legislativas. Seria muito positivo que existisse um maior consenso entre os partidos políticos na escolha das várias soluções normativas. A meu ver, é a única forma de evitar que os Códigos e legislação avulsa sejam sucessivamente alterados nas várias legislaturas e, por conseguinte, a única forma de dar aos vários agentes económicos e judiciais a necessária previsibilidade e segurança. Por outro lado, sou também favorável a que haja uma maior compilação dos vários diplomas. Haveria certamente ganhos para o sistema jurídico em termos de transparência, simplicidade e celeridade.

Qual é a sua opinião sobre as últimas alterações ao Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)?

Parece-me que esta última alteração legislativa, através da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, foi positiva. Destaca-se claramente a introdução do processo especial de revitalização (PER), inspirado na Lei norte-americana do Chapter 11, que veio finalmente dar ao C.I.R.E. uma solução válida para a recuperação das empresas e pessoas singulares.

Há ou não uma maior responsabilização dos devedores/administradores? De que forma?

Há, efetivamente, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, uma maior responsabilização dos devedores e administradores. Por exemplo, o prazo do dever de apresentação à insolvência foi encurtado de 60 para 30 dias. Determina-se também que na sentença que qualificar a insolvência como culposa, o Juiz deverá identificar devidamente as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de conta, revisores oficiais de contas, que sejam abrangidas pela sentença de qualificação, devendo indicar-se o respetivo grau de culpa; estabelece-se ainda na nova Lei que as pessoas em causa, identificadas na sentença de qualificação da insolvência como culposa, devem ser condenadas a indemnizar os credores do devedor insolvente, respondendo pessoalmente pelo valor dos créditos não satisfeitos, sendo essa uma responsabilidade solidária entre todos os responsáveis.

Qual o papel do administrador judicial?

O administrador judicial desempenha um papel muito importante no processo de insolvência. Desde logo, é responsável pela liquidação do património do devedor, ou seja, é responsável pela apreensão para a massa insolvente de todos os bens do devedor suscetíveis de penhora e pela respetiva venda judicial, afectando posteriormente o produto da venda dos bens à satisfação dos credores, de acordo com a sua prioridade e na proporção dos respetivos créditos, em observância do princípio da igualdade. Essa é a função primordial do adminisrador judicial sendo que, para além dessa, a Lei confere-lhe ainda outras competências.

Como é que olha para os problemas que estão a ocorrer atualmente com a plataforma informática da Justiça Citius?

Com bastante preocupação. Com efeito, o Citius tornou-se uma ferramenta absolutamente indispensável para os vários agentes judiciários: Advogados, Juízes, Funcionários Judiciais, Agentes de Execução. Na verdade, há muito tempo que o formato digital substituiu o formato de papel nas instâncias cíveis com ganhos muito significativos em termos de eficiência, celeridade, economia e transparência para todos os operadores forenses.

Fico, por isso, bastante apreensiva com os problemas que estão a ocorrer no Citius. Na verdade, atualmente é possível instaurar novas ações, mas não é possível tramitar os processos que estavam pendentes antes da entrada em vigor da reforma do mapa judiciário, por exemplo, juntar requerimentos, oposições, etc…. Desta forma, não é possível aos Advogados cumprir os prazos previstos na Lei para a prática dos diversos atos. Neste momento, é necessário procedermos ao envio das peças processuais e requerimentos em formato de papel, com invocação de justo impedimento, o que encarece ainda mais o acesso à justiça e acarreta atrasos insustentáveis na resolução dos litígios pendentes.