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Jornal Económico - Artigo da Sra. Dra. Fátima Pereira Mouta: "Fracasso total das alterações legislativas ao PER"

19 Julho 2019 in Jornal Económico

Fracasso total das alterações legislativas ao PER

 

Em julho de 2017, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho que procedeu a uma reforma ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no âmbito do Programa Capitalizar, aprovado pelo atual Governo. Um dos objetivos dessa alteração ao CIRE era, segundo o próprio legislador, “credibilizar” o processo especial de revitalização (PER).

Para se alcançar esse objetivo de credibilização o legislador restringiu fortemente os requisitos para que uma empresa possa recorrer ao PER. Contudo, esses requisitos foram de tal forma apertados que se tornaram quase impossíveis de cumprir para a esmagadora maioria das empresas portuguesas em situação económica difícil. Com efeito, passou a exigir-se:
– uma declaração escrita e assinada, há não mais de 30 dias, por um contabilista certificado ou por um revisor oficial de contas a atestar que a empresa não se encontra em situação de insolvência atual; e,
– que o requerimento inicial de manifestação de vontade de iniciar o PER seja subscrito por um credor ou credores que, não sendo especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares de, pelo menos, 10% de créditos, que não podem ser subordinados.

Ora, tratam-se de requisitos que são excessivos e manifestamente desajustados à realidade do tecido empresarial português, composto predominantemente por micro, pequenas e médias empresas, que se encontram bastante sobreendividadas.

Não surpreendentemente, os números mais recentes lançados pelo Ministério da Justiça apontam precisamente para uma redução muito acentuada do número de processos especiais de revitalização. Verifica-se, assim, que o legislador foi longe demais no seu objetivo de “credibilização” do PER. Quis tanto credibilizar o PER que acabou por torná-lo, na prática, completamente inacessível às empresas portuguesas em dificuldades financeiras.

Curiosamente, outra das alterações ao regime jurídico do PER foi a determinação da impossibilidade por parte dos prestadores de serviços essenciais tais como eletricidade, gás, água, telecomunicações, de proceder à suspensão do respetivo fornecimento por falta de pagamento da empresa, durante todo o tempo em que decorrerem as negociações. Contudo, pergunta-se: uma empresa que já não tem dinheiro para pagar eletricidade ou água pode ainda ter viabilidade económica? Pode ainda ser suscetível de recuperação? Pode uma empresa nessas circunstâncias não se encontrar em situação de insolvência? Vai alguma empresa, no decurso de um PER, arriscar-se a não pagar esses serviços essenciais confiando nesta impossibilidade de suspensão por parte dos prestadores de serviços essenciais? Irá ter esta impossibilidade de suspensão de serviços essenciais verdadeiramente alguma importância prática?

Enfim, mais uma contradição do legislador, que tira muito com uma mão ao restringir excessivamente os requisitos para recorrer ao PER mas dá uma esmola com a outra mão, que mais não é do que uma mão cheia de nada.

Mais uma oportunidade perdida para criar um regime jurídico que efetivamente promova a recuperação e reestruturação das empresas portuguesas.